outubro 31, 2011

“The Clock, 24 Hours”


Não tinha relógio por perto, quando ele me puxou desprevenida. Não sabia as horas. Vestidos de calça jeans e camiseta, entramos no espaçoso hall iluminado, de pé direito altíssimo, em que personagens de um filme do Woody Allen riam, tagarelavam e bebiam prosecco, com seus trajes de gala. Sem graça no início, logo percebi que éramos quase invisíveis naquele mundo. Era como se tivéssemos ultrapassado um portal inexistente para outra dimensão. Ele me olhou com seu melhor olhar e, mais uma vez, me puxou, desta vez em direção às escadas daquele renovado casarão em Veneza. Antes de subir, uma placa dizia “The Clock, 24 Hours” e outras coisas que não me lembro mais. Subimos, dando risadas e trocando olhares cúmplices. Ao chegar, a mágica se revelou: um cinema belo e improvisado. Algumas pessoas assistiam, outras se levantavam e iam embora, mulheres de longo ou curtíssimo, homens de terno e, alguns, de chapéu. Sentamos. Numa tela, cenas aparentemente desconexas, mas lindamente editadas, mostravam relógios. O relógio de James Bond marcava meia-noite e sete minutos. Dois minutos depois, o relógio de Benjamin Button mostrava meia-noite e nove minutos. No de Orson Welles eram meia-noite e treze. O de Woody Allen exibia meia-noite e quinze. “Que horas são?”, perguntei. “Meia-noite e quinze”, ele me disse, surpreso. Ficamos boquiabertos assistindo àquela inacreditável obra, resultado de muita paciência e de uma certa obsessão. Nunca tinha reparado que os filmes eram tão fartos em relógios e horários. Muito menos tinha imaginado que o próprio cinema poderia se transformar em um relógio. Queríamos esperar o fim e achamos muito mal-educados aqueles que se levantavam no meio do filme. Ali ficamos até uma da manhã - horário exibido na tela num Hitchcock -, quando tomamos coragem de voltar ao mundo real (é permitido chamar Veneza de mundo real?). Descemos as escadas e retomamos a placa. “The Clock, 24 Hours”. Em seus infinitos ciclos, o filme não tinha fim. E essa foi minha primeira experiência na Bienal.

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