novembro 13, 2011

O Levante

Verinha de Alcântara era a mais exaltada. Do alto de seu Louboutin (da mais recente coleção, com a sola vermelha) não deixava uma pergunta sem resposta. Pelos seus ideais era capaz das discussões mais acirradas.

Orgulhava-se muito de seu temperamento sempre pronto para qualquer debate de alto nível. Não se conteve ao ouvir Laurinha de Albuquerque Menezes, sabidamente uma biscate sem berço, aceita no “Women in Politics” por generosidade do grupo, dizer que tinha medo de manifestações nas ruas. Repreendeu-a fortemente e não deu espaço para indagações.

Ora, ela, Verinha de Alcântara, já tinha feito vários cursos na Casa do Saber, já havia conversado com grandes nomes, como padre Marcelo Rossi, Fábio Melo, Gabriel Chalita. “Não podemos ter medo das massas!”, disse com o dedo em riste, unhas pintadas de Dragon, último lançamento da Chanel.

Laurinha abaixou a cabeça envergonhada, mas ainda tentou se defender. “Tenho medo. Imagina se estas pessoas se tornam agressivas...”, disse abaixando o tom a cada palavra. Maria Helena Amendoeira interrompeu: “Querida, somos mães e mulheres modernas e inteligentes. Nos encontramos aqui para discutir o futuro deste país! E o futuro do Brasil passa pela mobilização do povo”, explicou, bastante exaltada. “O que precisamos nos interrogar é: como? para quê?, entende?”, questionou.

Neste momento Verinha interveio. “Queria fazer um adendo. O problema é o ‘como’. ‘Para quê’ é simples. Precisamos combater a corrupção! Meu marido, o senador Alcântara - dispensa apresentações, claro -, sempre diz: o que mata este país é a corrupção! O Brasil tem tantas riquezas, tem tanta natureza! E a água! No futuro, a água valerá mais do que ouro. Isso sem falar nas pessoas, que são o coraç...”, virou-se ao perceber que tinha alguém ao seu lado.

“O que você quer, Maria? Não quero café agora, querida. Pode ir.” “Meu nome é Sônia”, disse a empregada, mas já era tarde. Verinha continuou seu discurso, defendendo a mobilização das massas, com o fim principal de eliminar a corrupção de uma vez por todas neste país. Propôs que cada uma das mulheres procurasse angariar o maior número de pessoas para a causa. Esclareceu que era fundamental a participação de todas.

Após o longo discurso, as presentes aplaudiram. E, então, Laurinha, para mudar os rumos da conversa - já estava ficando pesada com toda esta coisa de política -, perguntou ao repórter enviado por um jornal, que acompanhava as discussões em silêncio: “e a ocupação da USP por alunos? Quais são as novidades?”.

 O jornalista ia responder, mas não houve tempo. “Um absurdo!”, Verinha gritou. “É tudo orquestrado. Isso é coisa destes sem-terra, sem-teto, sem-vergonha, mafiosos fazendo futrica com falsos estudantes.” Maria Helena, por fim, decretou: “a polícia deveria ter sido mais incisiva! Deveria ter usado bombas de efeito moral, para deixá-los bem quietinhos”.

Após algumas colocações pertinentes das mais relevantes participantes do grupo, todas trocaram beijinhos e despediram-se. Era hora de ir, afinal, quase todas tinham ainda uma longa agenda de compromissos durante o dia.

*Baseado em notícia publicada na Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1011201111.htm