fevereiro 15, 2009

Capítulo 5

Não reconheceu em si a erudição de seu pai, a habilidade de sua mãe ou a grandeza moral de seus avós naquela terça-feira. Qual herança os mais diversos genes e as mais diversas mentalidades haviam deixado nela?

Às vezes questionava-se qual traço de sua personalidade e de seu cabelo havia herdado de seu trisavô. Aquilo simplesmente desaparecera?

De onde vinham aqueles constantes questionamentos? Não poderiam vir apenas daqueles 25 anos de vida.

Não acreditava em Deus.

Não acreditava no sobrenatural.

Mas acreditava na força das heranças, que era rica e repressora de uma forma imensamente intrincada.

O telefone tocou. Ana percebeu que aquele almoço durava mais do que o determinado. Absorta em pensamentos que a tornavam invisível, esquecera que o tempo da refeição era apenas de uma hora.

- Alô?
- Alô.
- Pois não?
- Cadê o documento da reunião?
- Na mesma gaveta.
- Ah! Obrigado! Onde você está?

"Boa pergunta", pensou. Mas respondeu:

- Pagando a conta do almoço.

Não gostava de comer sozinha, pois pensava demais. Pensamentos desconectados da realidade. Por mais que lesse uma revista enquanto comesse, hábito inteiramente copiado de seu pai, as elucubrações eram sempre sobre outros temas.

Aquele hábito que ela detestava em si, de segurar as próprias mãos, enquanto falava sobre algo sério e, geralmente, desagradável, era ela ou seu trisavô? Adoraria atribuí-lo ao avô e livrar-se da responsabilidade.

Talvez a teoria das heranças fossem apenas uma desculpa para não enfrentar suas próprias dores e dúvidas.

Naquele momento, não reconhecia em si a erudição de seu pai, a habilidade de sua mãe ou a grandeza moral de seus avós. Reconhecia, porém, as neuroses. Reconhecia as culpas. Reconhecia o medo de contrariá-los na essência e não na superfície, como sempre havia feito.

Aliás, todas as formas superficiais de contrariá-los foram burras. Perdeu coisas boas, pelo simples ato adolescente de contrariar. Mas nunca atingiu o essencial, que sempre seguiu sem verdadeiros questionamentos.

fevereiro 14, 2009

Precisamos da arte para que a verdade não nos destrua.
Nietzsche

fevereiro 03, 2009

Um filme genial

Não é arrogância, mas prefiro não mencionar o nome do filme em português. Ele simplesmente entrega mais do que devia. Chama-se Revolutionary Road. Um filme genial.

Começando pelo meio, a película vale por um dos melhores personagens dos últimos tempos, o insano John Givings, um gênio-louco que conta todas as verdades do filme: se você não estava realmente entendendo, ele vai te explicar.

Num foco bem diferente de Beleza Americana, o diretor Sam Mendes volta a abordar o tema da hipocrisia, da vida medíocre, da coragem de tomar a decisão correta.

Em Beleza Americana o herói era um homem mediano que decide romper o "caminho esperado" para, por exemplo, ter emprego de menor status e viver com tempo.

Em Revolutionary Road, temos uma heroína descontente, procurando sentido na vida e intensidade.

O personagem de Leonardo di Caprio é um banana, para ser bem direta. O filme tenta amenizar o lado dele, mas, venhamos e convenhamos, é um banana. Ou como diria Michael J. Fox em "De volta para o futuro", é um "chicken".

Passado este parágrafo-comentário-revolta, o que tenho a dizer sobre o filme é: vá ver! É um filme daqueles que faz refletir sobre um monte de coisas: desde abstratos, como sentido da vida, imagem diante da sociedade, complexo de Édipo, seu papel no mundo, até concretos, como aborto, paternidade precoce, traição, sexo.

Imperdível. Um dos melhores de uma temporada excelente.