maio 31, 2009

Endorfina

Ana correu em direção a um autismo há algum tempo esquecido. Em cima da esteira parecia que o tempo se repetia. Movimentos e sons monótonos a levavam a seu interior. Ouvia o ritmo pesado de seu tênis sobre o chão em movimento.

A televisão a sua frente nada dizia. Ali, parecia que assistia a uma outra televisão enquanto corria absorta em pensamentos abstratos. O mundo lhe parecia mais exterior do que nunca. Ela era a única espectadora de um cinema gigantesco, com milhões de dimensões, que observava encantada.

Nas bicicletas paradas, as pessoas pareciam flutuar em câmera lenta. Os homens fortes urrando gritos guturais levantavam pesos pesadíssimos como num doce ballet. Na sala de ginástica as moças levitavam sobre camas elásticas, em lentos movimentos delicados. Nos aparelhos desajeitados, acrobatas realizavam movimentos doidos.

Naquele momento, alguém postou-se à frente da esteira. Ana não viu. Alguns minutos passaram até que percebesse a presença de uma moça movendo os lábios vagarosamente. Levou um tempo até que conseguisse escutar o que dizia:

- Ana, você está me ouvindo?

Era Felipa. Colega do trabalho. Fazia ginástica na mesma academia. E riu quando percebeu a ausência presente de Ana.

- Você estava viajando.
- Pois é. Estava mesmo. Tudo bem?
- Tudo. Estou gostando de ver sua presença na academia.

Ana sempre foi avessa a academias de ginástica. Mas também odiava ficar parada. De repente viu-se quase sem alternativas. E agora corria quase todos os dias em uma esteira eletrônica, com uma TV à frente. Achava aquele ambiente um tanto surrealista, com seus aparelhos e movimentos repetidos e organizados. Havia algo de fordiano, de Tempos Modernos, numa academia. E entrou naquela engrenagem gigante do filme de Chaplin até se acostumar. E mesmo gostar. Numa viagem louca no mesmo lugar.

Um comentário:

MJ Taragano disse...

Adoro. Muito verdadeiro. A Ana está em mais um momento de paranóia que qualquer grande cidade impinge, mesmo que tentemos fugir. Mas uma hora a engrenagem nos joga para fora, ou acordamos, sem mais nem porque, do autismo.